sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

SALVAÇÃO


Qual o estado de uma alma não-católica ou não-cristã, quando da morte corporal? Ou seja, uma pessoa que viveu uma fé fora da Igreja, como os protestantes — ou os não-cristãos, como judeus, hindus etc. — qual o destino eterno dessas almas? Poderão ser salvas? As orações e sacrifícios da Igreja podem levá-las à salvação?
Resposta:
O que determina a salvação de uma alma é o estado de seu relacionamento com Deus no instante da morte: se ela acolheu a graça sobrenatural com a Fé, a Esperança e a Caridade, e nunca rompeu com Deus durante a vida — isto é, nunca cometeu um pecado mortal, ou, se o cometeu, teve um ato de contrição perfeita — ela estará salva, mesmo que tenha vivido toda a vida fora do grêmio visível da Igreja e nem se quer tenha sido batizada. Neste caso, ela terá recebido o que se chama batismo de desejo ou, conforme o caso, o batismo do sangue, pois sem o batismo ninguém pode entrar no Céu. Explicaremos isto melhor mais abaixo.
Posta assim a resposta em termos absolutos, resta esclarecer com que freqüência ou probabilidade essas condições absolutas se realizam na prática. E aqui a questão se complica e desdobra em numerosos aspectos.
ela Criação, conhecer a Deus
Em primeiríssimo lugar está o dever de todo homem de reconhecer a existência de Deus e de adorá-Lo e servi-Lo como seu Criador e Senhor. Ora, depois do pecado de Adão e Eva (pecado original), a mente humana ficou obscurecida, e sua vontade debilitada. Assim, muito freqüentemente o homem nega ou duvida da existência de Deus e passa a se declarar ateu (afirma que Deus não existe) ou agnóstico (não sabe se Deus existe ou não e passa a viver como se Ele não existisse). E nisto entra uma malícia profunda, um pecado gravíssimo, que estabelece uma ruptura radical entre o homem e Deus. Porque reconhecer a existência de Deus está ao alcance de toda alma reta, como diz o livro da Sabedoria: "Pela grandeza e formosura da criatura se pode visivelmente chegar ao conhecimento do seu Criador" (13, 5).
É claro que, se o homem persistir nesta postura até o momento da morte, não poderá ser salvo, ainda que em sua vida tenha sido, como se costuma dizer, uma "boa pessoa". Pois alguém que rompeu com Deus no fundo do seu coração é um indivíduo visceralmente ruim. Os aspectos aparentemente bons de sua personalidade apenas encobrem essa malícia de fundo, que contamina todos os seus atos internos e externos.
Obrigação de conhecer a verdadeira Fé
Ademais, o homem deve chegar normalmente ao conhecimento de Nosso Senhor Jesus Cristo e da Igreja por Ele fundada, e a ela incorporar-se por meio do sacramento do Batismo. Na Igreja o homem encontrará os meios necessários para alcançar a salvação: o conhecimento da verdadeira Fé, através do Magistério da Igreja, e a graça por meio dos Sacramentos.
Como o consulente se refere ao que acontece com os não-católicos, consideremos as categorias por ele mencionadas, encontráveis num país católico: protestantes e judeus. O que diremos sobre a situação num país católico vale, por extensão, para os países de minoria católica ou simplesmente não-católicos, ou até mesmo para as tribos selvagens que vivam em estado de barbárie, por não terem, porventura, entrado em contato com a civilização. Nestes casos, as dificuldades podem ser não pequenas para o conhecimento e adesão a Nosso Senhor Jesus Cristo e à Santa Igreja.
Embora dispersos pelo mundo, os judeus formam comunidades coesas em que cultivam suas tradições religiosas e culturais. Depois da rejeição de Jesus Cristo como o verdadeiro Messias, dois mil anos atrás, será muito difícil pensar numa conversão maciça antes que a hora da graça soe para eles, como está previsto na Sagrada Escritura. Algumas conversões isoladas, entretanto, se têm dado, das quais as mais famosas foram as dos irmãos Ratisbonne, no século XIX, os quais fundaram justamente uma congregação religiosa para a conversão dos seus irmãos de raça.
A pergunta do consulente é se um judeu não-convertido pode se salvar. Dado o caráter coeso e até certo ponto fechado dessa comunidade, será realmente muito difícil que um membro dela tenha condições de vencer todas as barreiras psicológicas, culturais, sociais e religiosas para aderir ao cristianismo. A ele se aplicará, pois, o que foi dito no primeiro parágrafo desta resposta: ele será julgado pela retidão de seu relacionamento íntimo com Deus — o que inclui a acolhida interior da graça sobrenatural da Fé, Esperança e Caridade — e pela observância dos Mandamentos.
Resposta análoga vale também para os protestantes. Cinco séculos de ruptura com a Igreja criaram neles obstáculos mentais de toda ordem, que exigem um esforço fenomenal — somente possível com uma ajuda especial da graça — para darem o passo decisivo da conversão. Ainda há pouco produziu profunda comoção na França a conversão ao catolicismo do pastor Michel Viot, que ocupava cargo de destaque na comunidade luterana (cfr. Le Monde, 7 de agosto de 2001).
Batismo de desejo e batismo de sangue
Como explicar que seja possível a salvação dessas almas que viveram fora do grêmio visível da Igreja? A teologia católica explica que essas almas retas, que não conseguiram superar barreiras vivenciais e culturais para reconhecer a verdadeira Igreja, se são autenticamente retas — e, portanto, se sob o influxo da graça desejaram de fato conformar suas vidas com a vontade e a lei de Deus, recebem o batismo de desejo em razão da Fé, Esperança e Caridade que, in voto (implicitamente) acolheram. Isto é, Deus as acolhe no seio da Igreja, porque esta é a comunidade de todos os autênticos filhos de Deus.
A fortiori se, sob o influxo da graça sobrenatural e por um motivo de verdadeira caridade, uma dessas almas derramou o seu sangue em defesa de um princípio da lei natural, isto é, da lei inscrita por Deus na natureza. Ou mesmo se algum não-católico for intimado, sob ameaça de morte, a renegar a Deus, ou mais especificamente sua fé em Jesus Cristo, e, movido por uma graça de caridade sobrenatural, recusar-se a fazê-lo, sendo por isso morto, ele recebe o batismo do sangue, porque in extremis terá confessado a Deus ou Jesus Cristo.
Não se trata aqui de uma subtileza teológica para explicar o princípio de que fora da Igreja não há salvação, mas da realidade profunda do relacionamento das almas com Deus, que só Deus conhece. E Deus acolhe essas almas verdadeiramente retas na Igreja triunfante, que é a comunidade dos eleitos.
De todo o dito, não se conclua que esses fatos são corriqueiros. Se já é tão difícil para nós, católicos, com todo o socorro dos ensinamentos e dos sacramentos da Igreja, nos mantermos fiéis a Deus e à sua lei, quanto mais difícil será para aqueles que não têm a dita de pertencer à Igreja católica.
De qualquer maneira, para Deus nada é impossível, e Ele pode salvar também aqueles que, sem culpa pessoal, não conheceram a verdadeira Igreja e viveram nesta vida afastados exteriormente dela, mas que, com o socorro da graça interior, foram fiéis aos Mandamentos da Lei natural e sobrenatural de Deus, nos termos indicados acima.
Sem dúvida, como sugere o missivista, as orações e sacrifícios que nós católicos façamos podem beneficiar essas almas retas espalhadas pelo mundo, que não tiveram a graça enorme de chegar ao conhecimento da única e verdadeira Igreja de Nosso Senhor Jesus Cristo, que é a Igreja católica.

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